O JORNALISMO MORREU !

março 28, 2006

Zombie Journalism

[devo estar ficando velho]

Velhos têm mania de revirar o passado. Velhos esquizofrênicos, digo. Velhos também têm mania de colecionar frases. Eu tenho duas frases exemplares sobre minha profissão – essa aí, que está estampada na minha carteira de trabalho, com número de registro e quetais. A primeira frase está grafada aí em cima. A segunda – que talvez irrite mais os sensíveis de prontidão – é: os melhores jornalistas estão fora das redações. Ainda não sei exatamente como escapei de prováveis linchamentos. Esta é uma profissão de risco.

A primeira frase já virou uma espécie de bordão. A segunda eu já disse várias vezes, na presença de jornalistas e estudantes de Jornalismo. Com propriedade e nenhuma auto-indulgência. Não estou mais em redação desde, deixa ver, desde 2003. Pouco tempo, se considerarmos que entrei nessa em 1993. Mais ou menos na mesma época em que larguei a redação do jornal impresso – quando saí, editava três cadernos, ouié –, passei a dar aulas na faculdade onde me formei, em 1997 – o mito do eterno retorno ? Aulas de Jornalismo On-line, veja você. Dar aulas é uma atividade que sustenta até hoje meus charutos e minhas garrafas de vinho, agora em Belo Horizonte.

De uns tempos pra cá, tenho preferido me concentrar em charutos e vinho do que ler jornais.

No meio de tantas elocubrações sobre “profissão: jornalista”, acabei numa conversa com um dos meus irmãos em armas, George Cardoso – outro que não está nas redações. O conversê lascou sobre as eternas quedas e retornos da exigência do diploma para o santo santo santo exercício do jornalismo. Pensei assim: a atitude evoca condição de morto-vivo. O despertar dos mortos. Walking dead. Zumbi: próxima edição.

Cardoso logo designou: profissão zumbi. Pra zombie journalism, foi apenas questão de verificar o pulso.

É isso. Oficialmente: embarquei nessa história de zombie journalists. Eu faço parte dessa trupe. Jornalista fora de redação, portanto morto - por vontade própria: suicídio com estilo pra manter a sanidade. Regurgitado na vivência, ainda escrevendo. E crendo na ressurreição dos mortos.

Cuidado com os vermes.

[devo estar ficando velho. realmente velho, quero dizer]

março 27, 2006

Escandalizem-se os quadrados *

O camaradinha e escritor - dos bons, porque senão nem era camaradinha - Marcelo Ariel cismou de fazer algumas perguntas para este adepto do zombie journalism. Vai encarar ?

* frase retirada de surf atonal, música de marcelo birck, outro malaco sobre o qual preciso escrever.

março 18, 2006

Estética do perrengue é o cacete !

Malacomano: João Filho é uma das pontas do tridente. Reafirmo. E como tal, investindo neste campo minado/mimado que é a produção literária, tem um cívico, não!, um cínico dever a cumprir: foder a fedentina. Se o livro de estréia, Encarniçado (Editora Baleia, 2004), não deixa a desejar no cumprimento desta missão sacrossanta que é o exorcismo literário, o segundo revólver de cão destravado no coldre deste escritor, Açougue Soul, tem que ser sacado ainda este ano. Caso isso não ocorra, todos nós correremos o risco do pipocar da literatura espoleta. Bing. Pfffffffffftttt.

Tratamos aqui, na escrita deste sertanejo – como se auto-denomina –, do perrengue sendo expurgado pelas letrinhas, da cadência pé no chão de quem vive/faz parte/sobrevive na rasteiragem. Escreve porque sabe. Nisso, escrever porque sabe, João Filho se descobre descendente direto de doizantonio. A saber, descrentes: João Antonio e Antonio Fraga. Por tal descendência, afirmo: este sujeito, ô diacho, este sujeito é debulhador de um jeitão grand guignol brazuca, (des)costurando à golpes de faca a escrita-quixotão 00. Por obra e graça de dupla função: arquiteto-açougueiro.

É sempre bom ter ciência que João Filho trabalha na base do cálculo, da precisão matemática, da experimentação milimetrada. Frieza e crueza. É para exclamar: que filho da puta é esse cara! Tudo em oblação à língua – a puta que manda, segundo grafou o malaco baiano certa vez, num e-mail que me mandou. Das estéticas, há relação ? Vai saber, vai saber ... No fundo, este meu caro amigo é um sujeito imbuído de uma piedade que os fodidos de coração precisam apreender. Na risca do facão-letrado, o golpe acerta linhas tracejadas nas convicções do vivente. Duvida ? Já experimentou sair ileso de Encarniçado ?

Do meu bunker montanhoso, levanto a bandeira de que João Filho é a prova viva de que sertanejo que se preza tem fator de cura. Hoje conheço, na plena acepção, o quanto estava certo quando tracei sua persona, amalgamando-a com a do velhaco adamantinado das revistas em quadrinhos, batizando-o Jãoverine. E o puto retribuiu, taxando-me Perfil-Pigmeu, emulando o herói anão, parrudo e bigodudo da Trop’alfa, como ele certamente grafaria. Fiadaputa.

Mas o que esperar de um cabra que, nos cafundós da Bahia, cunhou força de vontade mergulhada em solução química-orgânica de letrinhas ensebadas, bolorentas e carregadas de possibilidades, enquanto ralava o umbigo no balcão da venda do pai, em Bom Jesus da Lapa ? Acabou formando isso aí: sobrevontade/além-da-vontade estampada, impressa, riscada, arranhada e otras cosas mas - tudo ao mesmo tempo agora - na cachola dum figura travado numa semelhança do resultado da guerra no tal do céu dos escritos.

Daí que se comprova ou corrobora uma dessas idéias relativas à teoria do caos, de lances aleatórios, de probabilidades que quase não podem ser medidas. Ninguém, em sã consciência - um absurdo ... -, consegue uma explicação a contento sobre esse troço - ok, Jãoverine, esse troço é você; mas sem desmerecimento, só constatação de estupefatos. José Castello que o diga.

Que mais falta dizer sobre João Filho ? Ah, sim. Falta dizer que ele é um desses caras que têm a destreza de atirar pelas costas, aleijando – merecidamente – a literatice rançosa. E, para dar sequência ao serviço, desembainha o facão-escrita para destrinchar tripas-letrinhas. E tome talhos. É isso: é nesse momento que se descobre que a barriga aberta pode muito bem ser a sua. Tratem de providenciar o óbolo: bem-vindos à terra de ninguém.

março 07, 2006

Possível início de fábula infanto-juvenil

era uma vez um pinguim descontente, que morava num freezer comprado nas casas bahia. num dia nem tão belo assim, ele pensou: "darei fim à minha vida". ato contínuo - boa essa, hein ? - pegou seu cachecol e apertou com força em volta do pescoço, colocando a outra ponta na porta do freezer, fechando-a. o pinguim esgoelou até ficar roxo e perder todo o ar. a walt disney corporation comprou os direitos da história e o filme estréia em 2006.

Porque tudo é fúria, meu chapa

Em uma entrevista dada à revista V, Miele cutuca a lembrança dos “bons tempos” junto a Elis Regina, Tom Jobim, Leila Diniz e Vinícius de Moraes – nada de apego desmedido, mas antes a vontade de encarar o futuro. Memória é mais do que indispensável – seja para não perder sua própria identidade ou fazer jus à importância de determinada pessoa ou acontecimento –, mas ficar atrelado é perda de tempo e aceno de inutilidade para neurônios. É preciso seguir adiante, espanar o pó, enfim, chacoalhar-se.

Mas o que isso tem a ver com uma suposta resenha para 75 kg de músculos e fúria ?

Simples, Pedro Bó. A mesma consideração feita por Miele a respeito de não encarquilhar-se na poeira do tempo pode ser apreendida após a leitura da biografia de Tarso de Castro, escrita pelo (também) jornalista Tom Cardoso. Uma lição que poderia muito bem ser absorvida por Ziraldo, Jaguar e companhia, que insistem/insistiram em publicações como Bundas e Pasquim 21, numas de manter acesa a chama dos 60 e 70 nesses tempos pós-neoliberais (?) e que tais. O efeito ? Uma piada velha reciclada ad infinitum.

Mas vamos ao livro, ora bolas. O tom passional adotado por Tom Cardoso para escrever essa biografia é condizente com o personagem retratado; afinal, os adjetivos “brigão”, “criador de casos” e “sedutor” sempre acompanham alguma definição a respeito de Tarso de Castro. O autor não faz o menor esforço para esconder esse tipo de abordagem e isso dá uma larga vantagem ao leitor – sabemos que é comum em biografias que se idealize o biografado. Ao assumir esse fato, Tom Cardoso faz uma narrativa apaixonada da vida de Tarso de Castro, de suas conquistas amorosas, de seu envolvimento político – desde a Campanha da Legalidade, passando pela resistência à ditadura, até à constante crítica às figuras políticas do fim dos 80 e começo dos 90 –, das aventuras boêmias e da busca por modelos jornalísticos de resistência.

A criação de O Pasquim, as escolhas e abordagens ferinas nos campos político e cultural – assim como o custo de “tamanha ousadia” – e os confrontos editoriais com a ala mais intelectualizada do jornal – leia-se Ziraldo, Millôr Fernandes e Paulo Francis – são relatadas em deliciosas minúcias. Da mesma forma, o autor nos mostra um biografado injuriado com os padrões dos manuais da Folha de São Paulo – para onde voltou, em 1982, escrevendo uma das colunas mais lidas da Ilustrada. Aliás, o título do livro remete ao bordão que Tarso de Castro sempre cometia antes de escrever sua coluna.

Sem riscos, posso afirmar que o Tarso de Castro que sobressai nesta biografia – levando-se em conta a já apontada escolha passional na escrita – é um ser humano apaixonado pela vida – incluindo aí o fervor ao jornalismo que não se conforma. Ou como bem definia um de seus maiores amigos e influência constante, Glauber Rocha – “ele é uma palavra só: coração”. O engraçado, porém trágico, de toda essa história é que a moçada mais jovem – e você confirma estar envelhecendo ao se flagrar escrevendo expressões como essa – não sabe quem foi Tarso de Castro. Experimente, por exemplo, perguntar a algum estudante de Jornalismo, na faixa dos 25 anos, quem foi o criador de O Pasquim. Na seqüência, pergunte quem é seu modelo no jornalismo atual. A resposta talvez possa explicar um pouco sobre os motivos que nos fazem recorrer ao passado, de maneira enfática.

Canibalize a mesmice

Ao velho amigo Jorge Rocha. Meu livrinho carregado de fúria contra a mesmice. Essa dedicatória, impressa no meu exemplar de Manifesto Canibal – livreto escrito por Petter Baiestorf em co-autoria com César Souza –, é um dos meus motivos de alegria neste começo de 2006. O livro foi publicado em 2004 pela editora carioca Achiamé e somente agora chega às minhas mãos, marcando a retomada de contato com Baiestorf, este maníaco do VHS, videasta hemorrágico – hahaha –, da Canibal Filmes responsável por pérolas trash como Eles comem sua carne, O Monstro Legume do Espaço, Gore Gore Gays, Zombio, entre outros vídeos que contentam aqueles que apreciam histórias que unem podreiras e críticas sociais.

Conheço Petter Baiestorf desde 1993, se não me engano. Na época, ele havia rodado seu primeiro vídeo, Criaturas Hediondas, uma pequena obra-prima da tosqueira nacional – que teve seqüência em 1994. Neste primeiro trabalho, já era possível perceber uma vontade férrea em primar pela condição de realizador autoral, assim como um incipiente ideário que não se curvaria com o passar do tempo. Manifesto Canibal reúne alguns artigos que comprovam esta característica de Baiestorf, unindo descontentamento com a produção cinematográfica tupiniquim, loas à Boca do Lixo, pequenas práticas subversivas – que outras pessoas talvez prefiram chamar de “terrorismo poético” – e, sobretudo, a persistência sempre bem-vinda em não se acomodar.

No livreto, tais aspectos são bem evidenciados em capítulos como Kanibaru sinema ou métodos para fazer filmes sem dinheiro, Como realizar atos de desobediência e subversão em mostras de cinema oficiais, Nordestern e o triunfo do cinema nacional. Destaco, sobretudo Deus vs cineastas vs críticos vs videastas vs pseudo-intelectuais vs personagens vs a total falta de público – um dos meus prediletos, onde Baiestorf monta um diálogo com citações de Mojica, Jairo Ferreira, Bakunin, Burroghs, Bukowski, entre outros malacos.

Um leitor despreparado pode considerar os textos algo exagerados e/ou extremamente juvenis. Para estes, eu recomendaria uma nova leitura, tencionando “descascar” camadas, de preferência. Porque, simplesmente, por trás deste curtidor do avacalho – como Baiestorf gosta de se denominar –, há um digno exemplar de ser pensante, que sabe manipular a contento escracho, petulância e provocação.

E, ao final deste texto, me veio uma lembrança acerca do nosso respeito mútuo. Em Blerghhh, uma das gurias da quadrilha de sádicos está vestindo a camisa do Mão Única ?, fanzine que editei no começo dos anos 90 – época em que cheguei a escrever uns textos para Arghhh, uma das publicações canibal. Preciso colocar em prática um modo de retribuir esta consideração.

De boas intenções este blog está cheio

Venho trazendo substituição. Da cançãozinha em francês. Tocada no piano. Emulação sacaninha de cancioneiro popular. Pigarro de água salgada contra a areia. Em dois dedos, charuto braseando desditas. Baforada. Enrolo a manga esquerda da camisa e aceno. Meu braço: espetado de guimbas. Executo minha catexe no momento da inversão das clavículas. Aguardando o dia do ofertório de lírios pras divindades.
Eu. ExuCaveiraCover. Entrando agora.


 
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