Digite literatura
Um assobio me comunica: tenho mensagem na caixa de email. Uma encomenda: averiguar até que ponto arte e tecnologia se contaminam. Para encontrar as devidas referências, contrato Keidique, o avatar-que-anda, como meu assistente e exu caveira digital. Keidique tem a seguinte configuração: assumir a personalidade de qualquer pensador que lide com as novas tecnologias de informação e comunicação. Seu primeiro movimento é incorporar Lev Manovich. Dá-se o enunciado: "com bancos de dados, espaços navegáveis, simulação e interatividade, novas formas culturais possibilitadas pela mídia também incluem novos padrões de comunicação social". Recombinação me parece a palavra-chave mais adequada para este momento. Keidique gesticula e aparece em meu monitor o site da Ciclope – anote aí: http://www.ciclope.art.br -, ateliê digital responsável pelo Sítio da Imaginação, entre tantos outros projetos que buscam uma linguagem estética e comunicacional para o meio digital.
Keidique emula telepatia de Aquaman e entra em contato com Álvaro Andrade Garcia, diretor de produções audiovisuais e multimídia da Ciclope. Na transmissão de pensamento uma só pergunta: em que momento e sentido a tecnologia digital estabelece ou ajuda a desenvolver uma linguagem artística diferenciada do habitual ?
- Eu tenho trabalhado e pesquisado muito a Imaginação Digital, que busca uma nova metáfora para a informação digital. A idéia é desenvolver uma linguagem a partir da metáfora da mente e estruturá-la a partir da poiesis. Páginas web e consoles são substituídos nos meus trabalhos por imagens mixadas e sequenciadas, interativas, que se animam em fluxos interativos com o usuário e sujeitos à gestão computacional usando inteligência artificial e outros métodos – videodromea Álvaro.
Enquanto eu rumino as últimas informações, Keidique, agora invocando Steven Johnson, escala minha estante e joga um livro na minha cabeça. Trata-se de Cultura da Interface, do próprio autor encarnado por Keidique. Terrível simetria, hein ? O Grande Ensinamento Contido Nesse Livro (GECNL para os iniciados) é absurdamente simples: com a tecnologia digital, nosso modo sensorial potencialmente avança em parâmetros difíceis de aferir com medidas próprias para os meios de comunicação de massa. Levanto a sombrancelha esquerda, pensando nas possibilidades cognitivas desta mudança em relação a quem produz e – valha o termo – consome arte. Começo a entabular uma questão quando, do lado de fora de minha janela, em um outdoor luminoso, surge o rosto do professor da PUC Minas, Carlos Henrique Falci, que pesquisa cibernarrativas e produções colaborativas.
- O que me parece mudar em termos de percepção é o desafio de consumir algo que eu mesmo posso produzir, em função de uma provocação qualquer feita por um meta-autor. Não é só o fato das obras serem processuais, é o fato delas serem processos que devem ser, vá lá, iniciados pelo receptor-participante, pelo interagente, por aquele que irá experimentá-la – vaticina Falci.
Como a perceber um clima Blade Runner se fechando à minha volta. Pondero que a interconectividade é deus ex machina anunciando game over como novo mandamento para nossa percepção massiva. Meu celular bipa, atingido por um SMS do professor do Cefet-MG, Rogério Barbosa, que pesquisa poesia contemporânea brasileira e portuguesa, com especial enfoque nas poéticas experimentais e digitais:
- Retomando Karl Marx, o poeta e antropólogo António Risério, em seu importante “Ensaio sobre o texto poético em contexto digital”, coloca-nos a pergunta, feita pelo pensador alemão: Aquiles seria possível na época da pólvora, da bala e das armas portáteis? E seria possível a Ilíada quando existem prensa tipográfica e impressora? Risério entende que a resposta é negativa, pois “as novas tecnologias alteram a estrutura de nossos interesses: as coisas sobre as quais pensamos. Alteram o caráter dos nossos símbolos: as coisas com que pensamos.”
Paro a leitura e estranho. Keidique está quieto demais. Deixo de lado. Volto a me concentrar na leitura da mensagem de Rogério Barbosa.
- Essa alteração perceptiva ou cognoscitiva de que falam Risério e Gisele Beiguelman só se apresenta para aqueles que tratam as novas mídias como um sistema a ser explorado, como uma linguagem a ser subtraída do utilitarismo ou da convenção que engessa.
Coço o cavanhaque – sinal de que estou metabolizando esta informação sobre arte e tecnologia. Nada a ver com performances. O outdoor volta a pipocar lá fora. “Não mesmo”, reitera Falci. E prossegue: “afinal, performar algo é experimentar o processo de criar esse algo, como penso. A questão é que hoje a tecnologia digital me parece suficientemente maleável para ser e parecer ao mesmo tempo objeto e processo”. Ao mesmo tempo ob... É justamente neste momento que me dou conta de que há cópias do avatar-que-anda correndo pela casa. Malditos memes ! Sinto que meu trabalho por aqui ainda não terminou.
[Texto feito sob encomenda - de Ana Elisa Ribeiro - para a edição de abril de Letras do Café, jornal da livraria multifunção Café com Letras, de Belo Horizonte]
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