O JORNALISMO MORREU !

janeiro 23, 2007

A lua falta um pedaço [trecho]

Dum Dum precisava falar com alguém que entendesse a urgência em descobrir onde estava a parte faltante da Lua. Precisava de esclarecimentos. Precisava de aliados. Precisava de meios de locomoção que o levassem de um lado a outro, até a Lua, para começar, atrás dos responsáveis por aquele sumiço. E quem mais capacitado para lidar com assuntos de desaparecimentos misteriosos do que o renomado Dr. Julien R. Baptiste ? Ele, que estava tão acostumado a lidar com vários tipos de invencionices, casos estrambóticos e traquitanas. Sim, ele, que morava logo ali, depois daquele buraco no tempo e no espaço, que conduzia para um lugar aquém da imaginação, como o doutor sempre frisava. De manhã, bem cedo, determinado a dar cabo daquele caso, Dum Dum saiu de casa e entrou no buraco-travessia.

Na porta do casarão de três andares do seu provável conselheiro Dum Dum estancou. Olhou o palacete de alto a baixo, vendo que toda a estrutura era rabiscada com frases de capítulos inteiros de livros muito importantes – alguns deles nem haviam sido publicados ainda. Dum Dum procurou pela campainha, apertou-a e ouviu um plunct, um plact e um zum como resposta. Numa janelinha do terceiro andar, o Dr. Julien R. Baptiste botou a cabeça de personagem de O Mágico de Oz para fora.

- Ô, ´siminino. Bom dia pra quem é de bom dia. Entre aí, porque você é bem-vindo !

Dentro da casa, Dum Dum pôde ver que haviam vários computadores ligados por toda parte. Em uma sala espaçosa, perto da escada, havia um monitor de computador bem grande –ladeado por uma escultura, em tamanho natural, de São Abdul –, cercado por bugigangas de todas as espécies. Montado em seu habitual jaleco e em duas cambaxirras de estimação que havia herdado de um tal de José Cândido de Carvalho, o Dr. Julien R. Baptiste desceu as escadas. Assim que o viu, Dum Dum saiu disparando, enquanto acompanhava o doutor até a sala do super-computador:

- Dr. Julien, o senhor deve ter visto que um pedaço da Lua sumiu ontem à noite.

- Eu vi, eu vi. Ia fazer uma serenata para as minhas amoras, à luz do luar, quando percebi a falta. Desisti na hora.

As cambaxirras pousaram num poleiro escondido atrás do super-computador, que soltou um bocejo em ré maior, abriu dois olhos sonolentos e passou a encarar a conversa.

- A gente precisa fazer alguma coisa ! Eu quero ir até a Lua, Dr. Julien !

- Uma viagem ! Que maravilha !

- Alguém tem que investigar esse mistério ! Eu quero ir até a cena do crime !

- Uma investigação ! Um mistério para resolver ! Que maravilha !

- O problema é que eu não sei como chegar até a Lua. Por isso vim pedir sua ajuda.

Dr. Julien R. Baptiste mascou o ar entre as bochechas, soltou um leve arroto, olhou para o super-computador – que deu de ombros – e contra-atacou:

- Veio ao lugar certo, Dum Dum. Para ir até a Lua e investigar o sumiço de parte dela, você vai precisar de uns recursos que só eu, menino, só eu posso te arrumar.

Remexendo os dedos nos botões do jaleco, Dr. Julien R. Baptiste passou a procurar em estantes, gaveteiros, mesas e baús, até encontrar tudo aquilo que estava procurando. Um cachorro de pelúcia chamado Orelha Caída. Dois bonecos de policiais que atendiam por Boieco e Maneco. Um jacaré de madeira com rodinhas, que foi batizado como Calango. Um casco verde de tartaruga, que ficou conhecido como Chapéu. Um fantoche de vaca – sem nome – que mugia de verdade. Enfiou tudo dentro de uma mochila e a entregou para Dum Dum.

- Tem muita tecnologia nisso aí, viu ?

Dum Dum acompanhava maravilhado a movimentação do Dr. Julien R. Baptiste, embora ainda não entendesse como todo aquele material o levaria até a Lua. Vendo a desconfiança estampada no menino, ele logo se apressou a emendar:

- Ahá, ainda falta algo ! – disparou Dr. Julien R. Baptiste, agora com as mãos dentro dos bolsos do jaleco.

E passou a assobiar, assobiar, assobiar, assobiar cada vez mais alto, olhando para todas as direções, como se estivesse esperando que alguém respondesse ao chamado. Uma expressão de alegria no rosto do Dr. Julien R. Baptiste e um estranho barulho – como se gavetas estivessem se abrindo e fechando de maneira ritmada – que se aproximava de uma janela lateral foram suficientes para que Dum Dum ficasse receoso em relação ao querealmente havia atendido ao assobio. E bem na sua frente estava agora ... aquilo:

- Esse é o Bocoió de Asa. Diga olá para Dum Dum, Bocoió de Asa.

- Uhwwwiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii !

- Ele vai te levar até a Lua e onde mais você quiser. Desde que você não se esqueça de alimentá-lo com gerlúzios e gizmos. Três vezes ao dia.

- Mas o senhor não irá comigo, Dr. Julien ? Vou encarar isso sozinho ?

- Ah, Dum Dum. Alguém tem que ficar por aqui, para administrar o caos, bagunçar a ordem, essas coisas. Mas, olhe só, eu tenho aqui algo que vai permitir que você sempre possa falar comigo.

Depois de batucar a ponta dos dedos nas mangas do jaleco, o Dr. Julien R. Baptsite entregou para Dum Dum o Quer-Falar-Alô, um potente aparelho de transmissão e recepção de áudio.

- Agora sim, me sinto preparado para esse caso. Algum conselho para me dar, Dr. Julien ?

- Fale com seus pais antes de partir nessa viagem.

- Mas eles são adultos, Dr. Julien. Não entendem que alguém precisa checar onde está a parte que falta na Lua.

- Fique tranqüilo, menino. Eu conheço seus pais: são escritores. Eles entendem muito bem de casos como esse. Você vai ver. Vai por mim.

Essa era a deixa para a partida de Dum Dum, agora devidamente municiado para sua investigação. Piscando um olho para o menino, o Dr. Julien R. Baptiste acenou para suas cambaxirras de estimação, que o conduziram novamente para o terceiro andar de sua casa. Já do lado de fora, Dum Dum ainda pôde ouvir um “boa viagem e até outra vez”, entrecortado pelo martelar dos computadores.

[tentativa de escrever um romance infanto-juvenil]

janeiro 08, 2007

Relinche

A canhotinha mexendo pra lá e pra cá. O primeiro momento que enquadro, assim que entro na sex shop, é a funcionária atrás do balcão escrevendo com a mão esquerda. Não consigo evitar. Enquanto estendo a mão para cumprimentar a ... como se chama alguém que trabalha numa sex shop ? No meio da minha ignorância – como não saber disso depois de todos esses anos ? hã ? hein ? – noto, balançando entre os seios, um crachá de foto sorridente e cabelo solto que a identifica como atendente. Rebobine. Enquanto estendo a mão – a esquerda, é bom deixar claro – para cumprimentar a atendente e a ouço perguntando de que maneira pode me ajudar, penso em handjob e munhequeiras de tenistas. É inevitável, eu já disse. Será que o movimento pendular do crachá e o campo de visão circunscrito a esse objeto pertencem à alguma modalidade sexual ainda não catalogada ? Torneira aberta de tesão em represa na palma da mão ? Na estratégia dos ímpios de coração, revido com outra pergunta, balançando a mão da atendente no compasso do crachá.

– O responsável pela loja está ?

Pela loja ? – oh, Deus. Que parte do manual eu não li ? Já me denunciei: quando criança, conjugava punhetas e aulas de catecismos – ou o contrário, vá lá. Daí o formalismo mal-calculado, que deságua em situações como essa. Chuá. Ela, a atendente, responde que vai chamar a gerente da sex shop e se vira em direção à uma escada, trotando aquele rabo de cavalo. Pra lá e pra cá, pra lá e pra cá. Cogito relinches e sacos de alfafa devidamente municiados. Pocotó.

Ah, Joá, se você estivesse aqui. Por certo olharia com desdém para a moça e logo trataria de implicar, chamando minha atenção para a falta de material – eia, eia – para rebolar. Cu de grilo, diria você. E eu, até então, não me sabia chegado a antropomorfismos. Como será que classificam esse requinte sexual ? Ah, eu preciso me atualizar. Alguém já pensou em editar e vender enciclopédias do gênero ? Eu posso estar deixando um filão passar. Poderia deixar essa vida de meia-foda, Joá, e ser sustentado por putarias. Ser sustentado e sustentar putarias, para ser mais preciso. Sempre incluindo você na história, é claro.

Engraçado como certos detalhes ocupam espaço na cabeça da gente em lugares assim. Isso se você tiver predisposição para engendrar a devida mistura de sacanagenzinhas e confessionários, inventariando perdas e danos, enquanto espera a atendente – isso, menina, upa, upa – voltar do segundo andar com a gerente. Bloquinho de anotações em cima do balcão, letra redondinha. Da minha parte, confesso: nunca tive uma guria que me ostentasse com a mão esquerda. Senão, vejamos.

- Quer treinar a canhota, Joá ?

Pocotó. A atendente retorna, no mesmo trote de poneizinha, trazendo a gerente. Cavalona. Me imagino como um cocheiro, preparando selas e arreios para elas. Vamos dar o merecido crédito: eu assisti muito Mundo Animal quando era pequeno. Ah, a vida nas savanas ... Por mim, eu ficaria pelado o dia inteiro. Pra lá e pra cá, pra lá e pra cá. Entre meritórias quatro paredes, é bom que se frise, sendo senhor de meu território lascivamente marcado. Oa, oa, oa.

A cavalona – será que ela também usa a canhota ? – suspeita de minhas intenções. Com a categoria de quem transita entre os arquétipos de madre superiora e mistress – o que me faz lembrar das historinhas de terror de Jekkyl e Hyde –, ela tenciona medições ao querer saber o que eu, logo eu, faço aqui, nessa sex shop. E o que eu faço aqui, nesse momento, cogitando aditivar pacotes de aveia e fazê-las resfolegar? Vim para candidatar-me a um dos cargos de fornecedores de material – ah, o formalismo ... – para glory holes e bukakke, conforme vi neste anúncio aqui, ó. Fique tranqüila, Joá: nenhuma culpa cristã incutida aí. Relinche e goze.

janeiro 04, 2007

De como me tornei mineiro (1)

Na política:

Aécio Neves foi o primeiro governador reeleito em toda a história de Minas Gerais. Conseguem perceber o significado desta frase ? Pronto, fiz a minha oposição de hoje.

janeiro 02, 2007

At work

Tenho um plano. O de sempre: dominar o mundo. Este ano também.

Trinta e três anos, quase cem quilos e um humor de dinossauro. Cds empilhados na mesa de trabalho – que é exatamente esta onde se encontra meu computador, meus charutos e meus óculos escuros. Uma olhadela mais atenta à pilha pode atestar que tenho estudado com afinco os digníssimos senhores cuja natureza é de crooner dissidente. Os mesmos suspeitos de sempre: Wander Wildner, Marcelo Nova, Nick Cave, Shane MacGowan, Leonard Cohen, Tom Waits e Serge Gainsbourg.

Mas não se preocupem comigo. Eu sou um homem de família.

Falando em Gainsbourg, finalmente li “Um punhado de Gitanes”, biografia escrita por Sylvie Simons, traduzida por Juliana Lemos e publicada por estes lados pela Editora Barracuda. E também encarei “Por que se mete, porra ?”, livro reunindo textos, fotos e desenhos de Paulo César Peréio. Tudo organizado por Pinky Wainer e publicado pela Editora do Bispo. Tive fôlego também para “Coração envenenado – minha vida com os Ramones”, de Dee Dee Ramone e Verônica Koffman, que também saiu pela Barracuda. E ainda escarafunchei "O Baú do Raul: revirado", de Sílvio Essinger, lançado pela Ediouro.

Memórias, memórias, memórias. Eu já disse que tenho um plano ?

Também me vi envolto por onomatopéias. Passei batido pela Flip – que, desde sempre, achei que deve ser um tremendo porre. Participei de uma mesa da versão carioca da Flap – evento que poderia ter rendido muito mais. Aplaudi bastante a Flop – nem mesmo a “crise das empresas aéreas” diminuiu a importância deste festival literário. Em relação aos livros-de-escritores-brasileiros-contemporâneos-que-mereceram-
destaque-na-imprensa-especializada, só posso mesmo fazer top top. Do meu lado, fico a apreciar gente como Marcelo Sahea, Antonio Mariano, Índigo e Tadeu Sarmento – e ainda estou devendo, exceto ao último, as devidas resenhas.

E daí vem a deixa: ando sem paciência para a literatura, ando sem paciência para escrever. O que é fácil perceber, ao olhar o espaço entre esta postagem e a anterior. Mas acabei cedendo e agora divido um espaço quinzenal com a cara amiga Rocca Stockler no site LivinRooom. A bagaça se chama “Não faço idéia” – eu não teria encontrado nome melhor, uma vez que não sei até quando vou aturar escrever. Possivelmente, vocês deverão encontrar por aqueles lados alguém mais humorado do que este sujeito barbado que soca o teclado do computador.

Mas se ando sem paciência para a literatura – acredito que o ano passado não foi bacana nesse sentido –, não posso dizer o mesmo da produção acadêmica. No segundo semestre, orientei duas monografias das quais muito me orgulho. Uma sobre a idéia que defendo, a atuação do webjornalista como “cartógrafo de informação”, e a outra abordando o papel do jornalista na Internet como “profissional sentado”. Sobre a dupla – Pedro Penido e Fernanda Abras – que escreveu a primeira, sou um completo suspeito para falar algo. Ele é – até fevereiro – bolsista da pesquisa que coordeno, intitulada “Participatory Journalism: práticas e papéis dos jornalistas na Internet”. Ela foi – até dezembro – monitora do Laboratório de Jornalismo Digital na Universidade Fumec, também sob minha responsabilidade.

[aliás, este laboratório merece todo um capítulo à parte deste post, pois se trata de um verdadeiro sitcom. se você visse as cenas que se desenrolam por ali todo dia, entenderia o que realmente significa “diversão levada à sério”.]

Eu não costumo dizer “o império se expande” à toa.

Essa mesma consonância permitiu a realização do I Seminário sobre Convergência Digital e Cibercultura na Fumec, em novembro. Três dias com palestras de caras pessoas como Eugênio Trivinho (PUC-SP), Carla Coscarelli (PosLin-UFMG), Ana Elisa Ribeiro (Cefet-MG), Sérgio Rosa (Overmundo), Drica Veloso (Cultura Digital), Márcio Augusto (BHTec) e Dalton Leal (Fumec). Sim, eu também palestrei, porque não fui bobo de não me meter num momento histórico como esse. Para esse ano, a saga continua, uma vez que o evento se transformou em um projeto de extensão. Assim, teremos dois módulos por semestre: cada um com três dias e cada dia com dois palestrantes. A lista das grandes presenças começa a ser preparada e em breve será passada às mãos de Ana Paula Condessa, bolsista que vai ter que me aturar por todo 2007. Do mesmo modo, seus colegas de classe, Mariana Celle e Felipe Torres nunca mais serão os mesmos, uma vez que trabalharão comigo na pesquisa – renovada por mais doze meses –, com a previsão de criar um site-referência sobre webjornalismo participativo.

Chibatadas, chibatadas, chibatadas.

De Campos, para onde levei esposa e filho para passar Natal com meus pais, trouxe um Cohiba que me foi presenteado pelo irmão-em-armas Jules Rimet – um dos mais talentosos escritores que conheço e que, apesar de completamente pervertido, vai ser pai esse ano. Um Cohiba, como se sabe, deve ser degustado em momentos especiais – ainda mais quando é presente. Acho que vou parar este texto por aqui e ir até a janela da área do apartamento fumar este charuto.

Eu estou de férias. E o Diabo é Deus a cada sete dias.


 
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