O JORNALISMO MORREU !

junho 27, 2006

Menino dos infernos adentra redação

Rio de Janeiro. 16 de junho de 2006. Por volta das 7 da manhã, o celular do novo jornalista dispara. Emborcado num pijaminha de seda e ainda inebriado pelo vapor etílico da noite anterior, o malaco amaldiçoa a tecnologia digital, antes mesmo de voltar à consciência. Do outro lado da linha, a voz cavernosa deste exucaveiracover exige que ele acione Laurel e Hardy, como se conhece – nas quebradas – seu casal de neurônios.

- Salete, tô na sua rua, porra. Qual é o número do prédio, viado ?

Um balbucio é a resposta, suficientemente inteligível para que a informação requisitada seja compreendida – com um adendo: “fidaputa”. Como é fácil perceber, somos todos criaturas amáveis e gentis.

O porteiro do prédio, encostado na porta, também parece gostar de aporrinhar as pessoas desde cedo; assim que digo meu nome e para qual apartamento estou me dirigindo, ele aperta três vezes o botão do interfone. Do térreo, eu consigo ouvir o zumbido do quinto andar, até que o interfone seja atendido. Ó, tem um sujeito subindo aí, resmungou o porteiro enquanto, num gesto treinado anos a fio, tirava uma meleca, enrolava nos dedos e jogava longe.

Finesse. Elegância. Requinte. Estou no RJ. Perto da Lapa.

Dentro do elevador, encaro a porta pantográfica e solto um muxoxo; não sei porque, mas sempre associo este tipo de porta à decadência fake. Para piorar: mais tarde, Lsd-Boy – padrinho do meu filho – me contaria que Salete havia dito que esta porta lembrava aquelas jaulas submarinas onde mergulhadores se protegem de tubarões. Tem mais: me contou ainda que ele ficava imaginando suas visitas como se fossem tipos variados de predadores marinhos. Só não me disse se tal percepção fora alcançada antes ou depois de ele tomar o Santo Daime, sob os auspícios de fazer uma reportagem.

No entanto, fiquei sem saber se esta foi a porta de entrada para sua recente contratação pelo Jornal do Brasil. Calma que eu explico: Salete, que também atende pela alcunha de Felipe Sáles, é jornalista, graduado em 2004, nascido em Campos-RJ – minha cidade natal –, sujeito de poucas palavras que, por trás dos óculos e sob aquele olhar enevoado, é um dos que entram nessa de experimentar o novo. O sujeito foi contratado pelo JB para escrever matérias no melhor estilo do jornalismo literário. Não vou citar nenhuma das matérias do malaco – corram atrás, hereges –, mas posso dizer que ele ainda nem começou a colocar as manguinhas de fora. O pior ainda está por vir. Oba !

Salete é um cara que vai longe – ainda mais se tiver dinheiro pro táxi.

Por que estou falando desse cara, uma vez que ando perguntando – isso quando não afirmo –: o jornalismo morreu ? Simples, Pedro Bó ! Salete faz parte da nobilíssima Divisão dos Não-Lineares – não vou pagar royalties, Ronaldo Bressane ! – e é uma das minhas apostas no Zombie Journalism. Afinal, o que esperar de um jornalista que tem, na cabeceira, o livro de capa preta de São Cipriano ? Mais: o que esperar que um jornalista que se anima quando me pede uma pauta e eu, só de sacanagem, falo para que ele escreva sobre BDSM no RJ ? Num jornalão (?) ! E o cara topa !

Tenho pena das pobres almas dos leitores.

[alguém aí deu crédito a essa última afirmação ?]

junho 10, 2006

Réquiem para um release

“O tempo dos camponeses rezarem Ave Maria está de volta !”

“Canibais em pleno século XXI ?”. É o que se pergunta padre Carcass (Elio Coppini), cercado por galinhas, logo no início de A Curtição do avacalho, nova obra do videasta catarinense Petter Baiestorf. Este vídeo é um libelo que ataca – de maneira direta, cínica e certeira – Igreja, Estado e desatentos emburrecidos de plantão. Em A Curtição do avacalho, vemos pecadores de uma comunidade rural tendo suas carnes derretidas como expiação à suas ofensas cristãs, um exército revolucionário – de duas pessoas – digladiando-se com hordas de zumbis putrefatos e um cientista filósofo ensandecido – como não poderia deixar de ser – que constrói uma múmia de Cristo para controlar o mundo.

Qual é o resultado de tanta disparidade reunida ? Uma possível resposta à pergunta – e também ao questionamento do padre Carcass – pode remeter à resistência da Canibal Produções, que conta mais de dez anos de atividades, realizando obras cult e transgressoras no circuito underground. A Curtição do avacalho, antes de ser entretenimento para os fãs de terror e escatologia – elementos que não faltam nesta produção – é um vídeo questionador que pode mexer com os brios dos puritanos – se é que estes realmente existem em vez de serem alucinações consensuais ...

“Quem faz cinema sem dinheiro tem mais que ir pra puta que pariu mesmo.”

Não espere de A Curtição do avacalho um vídeo trash nos moldes dos trabalhos anteriores de Baiestorf. Aqui, ele usa e abusa da metalinguagem, característica observada nos filmes de Alejandro Jodorowsky, uma das suas várias influências. Embora assuma a inspiração, Petter Baiestorf vocifera que A Curtição do avacalho está voltado mais para o cinema nacional de realizadores como Júlio Bressane e Rogério Sganzerla. Por várias vezes, o foco de desloca da cena principal e vai atingir toda a equipe de produção, que não mostra papas na língua na hora de questionar valores morais, sociais e – por que não ? – profissionais.

O espectador – este pobre coitado ! – que tire suas próprias conclusões, ao ver cenas como a que o personagem Juanito, também conhecido como Santeria (César Souza), agoniza após levar um tiro na barriga; ferido mortalmente, ele despeja, no lugar das tripas, rolos e mais rolos de VHS. Outra cena de destaque é aquela em que o próprio Baiestorf mastiga DVDs de filmes blockbusters, enquanto Souza recita o poema 2005 foi outro ano ruim:

Se masturbando com inocência virginal,

Ejaculando pensando em arte experimental,

Em promessas quebradas pela industria artesanal

transformada em jorros de merda industrial.

Cuspir palavras ao vento

Pelo simples prazer de cuspi-las.

Juras de amor à arte

Ditas sem a importância da sinceridade.

E proibiram a criatividade!!!

E aniquilaram a ousadia!!!

Não pensar para melhor consumir!!!

Salve salve os produtos descartáveis!!!

salve salve os produtos descartáveis!!!

salve salve os produtos descartáveis!!!

Salve salve os produtos descartáveis!!!

As intervenções metalingüísticas não param por aqui. Pontuando todo o vídeo, estas dão novos contornos à narrativa, abordando a morte do cinema, a dificuldade de se pensar artisticamente em terra brasilis e até mesmo avacalhando com o espectador. A Curtição do avacalho é uma piada que deu certo; ria junto com Baiestorf e sua trupe, mesmo que seja um risinho amarelado.

Ou você prefere ter sua carne derretida ?


 
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