O JORNALISMO MORREU !

abril 16, 2006

Resenha sem tipóias

[Havia essa resenha. Uma pequena resenha. Escrita faz muito tempo. Esperando apenas surgir um livro ao qual fizesse jus. E o livro chegou. Final do ano passado. Pelo correio – e mais uma vez lembro que boa parte dos livros que recebo chega até mim pela ECT. Antes que me incriminem: não tenho nenhum envolvimento com a CPI dos Correios. O livro, publicado pela Editora Finaflor, chama-se Breves fraturas portáteis. O culpado: Tadeu Sarmento. Não é de hoje que invisto minha atenção ao que este escritor prepara e sei de seu avanço/evolução/determinação a respeito do que escreve. Talvez seja por isso que este veredicto já estivesse escrito. Gosto de pensar que faço parte de seu júri - hahaha. Que se aplique a sentença:]

Antes de abrir a primeira página: estranhamento. A sensação que tive é de que as impressões digitais do autor por pouco não foram impressas nas páginas desse livro. Escolhi um conto ao acaso, dando ouvidos à minha paranóia, para constatar o que estava intuindo. Este é um daqueles livros em que o autor permite que você caminhe ao seu lado. Como se fosse um passeio de dois velhos amigos à beira mar, num parque ou em qualquer rua tortuosa de uma cidade onde você é um estranho em terra estranha. E, como é típico de passeios desse quilate, chega um momento em que aquele que convida saca do bolso, da manga ou debaixo da cartola – o que denota sua condição de prestidigitador – algo que fratura. Você, apanhado sem defesa, se vê desmembrado e pensa: mas que puta sacana esse cara ! Curioso: isso, em vez de fazer com que você apele para muletas, somente te impele a continuar o passeio.

Seguindo com o livro, tive a impressão de que, em um desses contos, havia uma provocação dirigida a mim. Cocei a cabeça. Acaso outro leitor terá a mesma impressão que eu revelo aqui a vocês? Não, não que haja uma provocação dirigida a mim, mas a cada um de nós que aceita o convite do escritor para passear entre as páginas deste livro. Maldita cumplicidade: onde eu estava com a cabeça que não vi a ratoeira armada ? Não obtive resposta e espero sinceramente que você também não a alcance, quando tiver esse livro em mãos. Mas, se serve de consolo, deixo a advertência: nesse livro, a arapuca é inevitável e o passo em falso é quase desejado.

Mas não se engane com este aviso: não pense que estou aqui para guiar outros leitores. Por conta disso, não cometerei aqui a indelicadeza de transcrever passagens do livro. Se assim não me portasse, sentiria como se estivesse saindo da estrada dos tijolos amarelos pela qual fui convidado a andar. E isso não seria nada britânico, uma vez que o autor é um gentleman que usava coturnos – o que facilmente se nota pela sua escrita.

Ainda de posse desta fleugma britânica, pondero que a Literatura é minha fortuna; leio apenas o que gosto e quando gosto mesmo, me atrevo a escrever sobre. É uma espécie de arte da degustação. E este é um livro para ser degustado. Como um bom charuto. O que gera – ou desperta, depende da sua preferência – cumplicidade. E foi essa palavra que ressoou entre meus ouvidos até depois que terminei de saborear este livro. Reafirmo a sensação mantida durante a leitura: foi como apertar a mão do autor. Mais: foi como apertar a mão de um amigo que está distante. Congratulemos o autor. Como se à cada leitura, estivéssemos andando em direção à uma nova noite de lançamento deste livro.

abril 03, 2006

Por conta própria

No fim do ano passado ou no começo deste, não me lembro bem - maldita senilidade - dei uma entrevista para a jornalista e pesquisadora Ana Maria Brambilla, requisitada por conta de sua dissertação de mestrado. Ela pesquisou o jornalismo open source, tendo como base o site colaborativo Ohmynews. Por estarmos em linhas de atuação muito parecidas, respondi prontamente e tentei não ser tão cínico e rabugento. O mundo se desviou um tanto de seu eixo nesse momento. Perceba ...

Você acredita em todo o conteúdo publicado no OhmyNews? Por quê?

Corro o risco de soar cético e sarcástico mas, quando se trata de imprensa, não confio plenamente em nada. Claro, não estou tirando a credibilidade de nenhum órgão de imprensa, tampouco de quem produz informação para determinado veículo. Estou apenas dizendo que, como produtor e consumidor de informação, tenho me pautado em checar sempre que possível a extensão do que me é informado. Com a Internet, as possibilidades de checagem e rechecagem de informação, utilizadas em conjunto com outras fontes, foram ampliadas. No entanto, já se tornou mais do que claro que sites como OhmyNews, em se tratando de manter um diálogo mais aberto e interativo com a audiência, têm se mostrado eficazes veículos de expressão e opinião, fatores estes que andam relegados a segundo plano há tempos pela chamada mídia corporativa.

O OhmyNews é um espaço pago por anunciantes. Como você vê o relacionamento entre o conteúdo dos artigos e os anunciantes? Você acha que pode haver algum tipo de restrição ou censura?

Restrição já é uma forma de censura. E a história do jornalismo mostra que a censura sempre existiu, em diversos modos e intensidade variada, em todos os meios de comunicação – nesse caso entram, por exemplo, a autocensura, a censura imposta ou a restrição editorial. Estes fatores, é claro, podem muito bem condicionar o tratamento de determinado material informativo, evidenciando assim que estamos lidando com uma questão política. Sim, política porque cabe à concepção e aplicação de uma linha editorial cidadã a tarefa de se fazer respeitar e firmar-se, seja diante dos leitores-cidadãos ou dos anunciantes. Aliás, tal perfil é o mínimo que se deve esperar de uma publicação que trabalhe com os princípios do jornalismo open source. Mas vamos imaginar um exemplo – simplista, mas bastante ilustrativo – de uma possível tentativa de interferência: um certo anunciante requisita que uma informação relativa a seu produto ou mesmo acerca da empresa não seja veiculada no OhmyNews. Para que tenha coragem – não sei exatamente se o termo é esse ... – de levar adiante essa solicitação e agüentar as consequências, deve ter em mente que os produtores de informação e os leitores-cidadãos têm maneiras variadas de obter a informação que pretensamente seria ocultada, difundi-la de outro modo – listas de discussão, por exemplo, o que geraria uma transmissão virótica – e ainda “acusar” o anunciante de corrupto, para dizer o mínimo. A perda – para todos os lados; para a publicação, para o conceito de jornalismo open source, para os “prosumidores”, etc – seria enorme. E é por conta de possibilidades crescentes de contraposição de informações na Internet que não consigo ver tal exemplo sendo aplicado no OhmyNews.

Valores como ser imparcial, honesto, verdadeiro, plural quando você lê um artigo em noticiário colaborativo são aplicáveis? Por quê?

Por mais estranho que possa parecer, não consigo defender que um artigo de uma publicação de cunho colaborativo seja eminentemente imparcial, honesto e verdadeiro. O benefício da dúvida ainda me atrai. Não consigo ver um material informativo e opinativo que não seja tendencioso – ora, se há a possibilidade de inserir opinião, já existe algo tendencioso aí ... Mas sou capaz de defender ferrenhamente a existência de pluralidade em publicações com este caráter. E tal fato amplia bastante as possibilidades de que consigamos encontrar os demais valores citados, frisando que a escala destes fatores dependerá sempre do tom da peça informativa. Mais: consigo aferir este princípio – pluralidade – com mais rigor nos noticiários colaborativos do que na mídia tradicional, principalmente por conta da abertura ao diálogo e da real interatividade produtiva.

Considerando o jornalismo tradicional, você concorda com a seguinte frase: "o jornalismo é a voz do povo"?

No jornalismo tradicional, não. A simples existência de práticas jornalísticas como o jornalismo cívico – também chamado de jornalismo público – e o jornalismo open source – que também é conhecido como jornalismo participativo, embora eu veja algumas diferenças entre estes conceitos – já evidencia isto. Em ambas as práticas, é possível perceber a preocupação em dialogar com a audiência, não meramente reportando os fatos, mas analisando as implicações sócio-politico-culturais destas notícias. Falando assim, parece até que não há novidade alguma nisso, pois o “jornalismo tradicional” supostamente deveria contemplar estes princípios ... Mas tais práticas também mostram claramente – pelo menos para mim e mais algumas pessoas sensatas – que é mais do que necessário repensar a prática cotidiana dos jornalistas em diversas mídias, uma vez que – para usar só um conceito – nossa ecologia cognitiva está passando por diversas mudanças.

Muitos artigos em projeto de jornalismo open source, como o OhmyNews, podem ser considerados opinativos. Você acha que isso também pode ser informativo?

Claro que sim. Aliás, saúdo com enorme alegria – o que não é exatamente comum acontecer comigo – a sobrevivência e fortalecimento de práticas informativas e opinativas. Acredito que tal método auxilia a tornar a informação mais propícia a suscitar discussões e contrapontos. Além do OhmyNews, como você bem sabe, existem vários exemplos, como os sites dos IndyMedias e o próprio Slashdot – para ficar nos mais conhecidos. Felizmente, esta é uma prática perceptível em publicações online – e não estou falando de versões online de veículos impressos – e talvez um de seus grandes trunfos.

Você acha que o jornalismo open source está sempre em busca da verdade como o jornalismo tradicional? Por favor, justifique sua resposta.

Pelos exemplos que temos todos os dias, parece que sim – mas com ressalvas. Aloysio Biondi, falecido jornalista pelo qual eu tinha grande apreço, costumava dizer que a mídia é especializada em trocar o boi pelo bife. Ou seja, “distorcer” uma série de dados que apresentavam um panorama não muito promissor, destacando apenas uma questão que apresentava algo razoável, porém pífio, anabolizando suas qualidades e obscurecendo o conjunto total das informações. Em publicações colaborativas, as “chances analíticas” são maiores – por diversas vezes, já vi “alguém da audiência” apresentando dados argumentativos que complementavam ou davam uma outra direção à determinada informação. E, em casos desse tipo, o grau de credibilidade vai até onde o leitor esteja disposto a checar a veracidade desta produção colaborativa; aí temos mais um reforço em pensar melhor nossa ecologia cognitiva.

Você acha que os cidadãos repórteres têm total liberdade para escrever sobre o que eles desejam?

Sim. A prática cotidiana em sistemas colaborativos parece apontar nessa direção. Mas também devemos observar um conjunto de fatores no processo de condução da informação, que vai desde o papel do jornalista, passando pela linha editorial da publicação, até a capacidade de diálogo mantida entre “prosumidores”.


Se "cada cidadão é um repórter", como você vê o papel do jornalista profissional na sociedade atual?

Mais do que nunca, indispensável. Reproduzo aqui trecho do artigo que apresentei na Intercom, em 2005; este trecho trata especificamente desta questão, dimensionando a importância do profissional de comunicação. “O papel do webjornalista pode ser melhor evidenciado, em um primeiro momento, quando colocamos em questão que sua hegemonia como gatekeeper neste espaço-informação é redimensionada pelas novas tecnologias e pela audiência. Cabe ressaltar que seu papel como mediador de informação passa por alterações significativas; de uma “estrutura monopolista” para processos de co-enunciação. Nesta readequação, o webjornalista deve comportar-se como um agente participativo que, em processos de interlocução, seja capaz de selecionar, hierarquizar, enquadrar e personalizar notícias, levando em conta as potencialidades inerentes à Internet como fonte de pesquisa e escoamento de produção”.

abril 01, 2006

Roendo o ócio

Aqui em Belo Horizonte, as principais ruas serão interditadas por conta do 47º Congresso do BID. Ficarei praticamente impedido de andar pela cidade. Momento de ler Guarda-chuvas esquecidos (Editora Lamparina), belo livro do poeta Antônio Mariano, que chegou hoje, pelo correio - isso porque ainda é possível andar pelas ruas daqui. Se bobear, ainda bolo uma resenha para este livro e também para Perdendo perninhas (Hedra), de Índigo, e Breves fraturas portáteis (Finaflor), de Tadeu Sarmento, que já estão na fila. Be cool, infiéis.


 
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